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15.1.04
Quando a gente passa mais de seis horas na sala de espera de um hospital, aguardando uma consulta, dá tempo de conversar, dormir, ler uma revista, terminar de ler um livro, dormir mais um pouquinho, reclamar, sentir fome, brigar, sentir calor e cansaço, discutir. E ainda assim, sobra muito tempo para escutar a conversa dos outros. O que não exige nenhum esforço, diga-se, visto que as pessoas são todas donas da verdade, conhecem tudo de todos os assuntos e ficam cagando regra em altos brados. Ou então, tentam puxar conversa falando sobre a "visita à psicola" e a nutricionista que mandou "beber menas água".
Mas os caga-regras são os melhores, e como seres superiores, acreditam que todos estão muito interessados em todos os detalhes de suas vidas. E para todos os assuntos - programas de televisão, cerveja sem álcool, adoçantes com aspartame, qualidade das músicas atuais, planos de saúde - eles têm opinião, baseada em estatísticas e pesquisas que obviamente, inventam na hora, porque é só falar "nos EUA é assim assado" ou usar um número qualquer para dar credibilidade a qualquer besteira que falarem.
O negócio começou a ficar tão divertido que eu não conseguia mais disfarçar e ria tanto, mas tanto, e tão descaradamente na cara das pessoas, que fiquei até com medo de alguém querer tomar satisfação. Só que agora, na hora de escrever, não fica mais tão engraçado. Acho que é porque já dormi, descansei e comi.
Porque o cansaço e a fome me deixaram meio abobalhada. Tanto que, em meio a uma conversa sobre filmes e literatura, com pérolas do tipo "livro pra mim, só se tiver desenho", "minha filha queria comprar essa coleção que o Globo lançou, não sei pra que nem onde eu ia colocar tanto livro" e "esse negócio de ficar uma hora lendo cansa muito", quando um cara começou a contar que "há uns 25 anos, vocês nem devem lembrar, a Globo lançou outra coleção de livros, era "Globo cultural", eu comprei todos e..."
Eu surtei. Chorei de tanto rir, já imaginando o fim da frase: "ainda não terminei de ler", ou algo assim.
E, caramba, isso realmente não é nem um pouco engraçado.
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