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26.8.05
Como eu quase me tornei uma pianista
Um dia a vizinha do andar de cima se ofereceu para dar aulas de piano para as crianças do prédio. Nem precisei pensar duas vezes pra virar uma das alunas. Com poucas aulas eu já estava tão animada que pedi um piano de presente. Mas meus pais não eram tão bobos assim e preferiram esperar pra ver se não era apenas uma empolgação passageira. Então eu me esforçava pra decorar as músicas, saía da aula literalmente cantarolando pelas escadas e depois passava a semana treinando o movimento dos dedos na mesa da sala, num teclado imaginário.
No final do ano troquei o teclado imaginário por um real. Ganhei um piano. Um presente que superou até mesmo meu gravador que até aquele momento era o objeto mais valioso da casa pra mim (ele vale um post à parte depois). Era um sábado e à noite todas as meninas do prédio foram lá pra casa. De repente a empolgação com o instrumento foi interrompida por um som vindo da tv do quarto. Saímos todas correndo, porque o som era do viva a noite (viva! viva! viva!). O programa do gugu (passarinho quer dançar, o rabinho balançar, porque acaba de nascer, tchutchutchutchu) era aguardado ansiosamente toda semana, porque sempre apresentava "material exclusivo" do Menudo. Era a oportunidade quase única de assistir cenas de shows e entrevistas com nossos ídolos. A vida antes da internet não era fácil não.
Fico imaginando o que meus pais pensaram na hora. Algo como eu sabia que era empolgação passageira, agora o que vamos fazer com esse trambolho?
Mas não era. No ano seguinte fui estudar com uma professora do Conservatório de Música e daí foram anos e anos de exercícios e ditados e solfejos até que um dia eu cheguei pra aula já em cima da hora, fui direto pra sala e fiquei esperando. Não era comum a professora não estar na sala, mas ela podia ter ido ao banheiro, beber água, qualquer coisa. Sentei e esperei. Esperei. Esperei. Até que cansei de esperar e fui na secretaria tentar descobrir a razão daquele atraso.
- A professora Fulana não veio dar aula hoje?
A secretária nem respondeu. Só apontou pra um cartaz na parede.
"AVISO - Missa de sétimo dia da professora Fulana - Hoje - tal hora"
Na semana anterior, após a minha aula, que era no último horário, ela estava indo para casa, foi atropelada e morreu na hora.
Mudei de professora (claro), não me acostumei com ela e um ano depois abandonei os estudos.
Na verdade não foi só por isso. Mas a história fica mais emocionante se eu contar assim. ;)
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