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4.9.06
Eu sei que quando vocês souberem que só na semana passada eu mandei a empregada embora, vão achar que eu sou louca. E dizer que já devia ter feito isso há muito tempo. E blá blá blá. Como se fosse fácil e simples assim. Eu não sei se vocês já passaram por isso, por essa situação de ter que demitir alguém. Mesmo que esse alguém mereça. Porque é uma pessoa, afinal. Não é uma estatística. E uma pessoa que precisa do emprego. "Ah, mas se precisa tanto, tem que fazer por onde. Se precisa mesmo tem que trabalhar direito." Olha, eu falava isso todo dia também. Pra me convencer. Mas não é assim que a minha cabeça funciona. Não sei se é a famosa culpa cristã ou meus discursinhos comunistas. Só sei que nunca conseguia dar fim a essa história. Ia adiando, adiando, dando a segunda, a terceira, a quarta chance. Mas aí o clima começou a ficar insuportável e eu comecei a implicar de verdade. E quanto mais implicava, mais culpa sentia. E não demitia por isso também. Por medo de estar cometendo uma injustiça (racionalmente, eu sei que não estaria. Mas vai tentar me convencer disso). Só que era uma via de mão dupla, essa implicância. A coisa chegou a um ponto que, em certos dias, ela simplesmente não falava comigo. Agora, tente viver numa casa assim. O negócio é que ela veio trabalhar aqui logo que eu saí da maternidade. Eu estava meio aérea ainda e por fora de tudo. E ela foi se expandindo e ocupando espaços. Até não sobrar espaço para eu respirar. E quando eu resolvi tomar as rédeas da coisa, ela não gostou. Ela não admitia receber ordens minhas. E daí que eu falava duzentos "por favor" antes de pedir qualquer coisa. E ela fechava a cara e ficava de mau-humor o resto do dia. Estou falando de coisas simples. Tipo, ela narrava tudo que fazia, sabe? Estou varrendo o quarto... agora que varri o quarto vou arrumar o banheiro... já varri o quarto e arrumei o banheiro, vou fazer sei lá o que. E se eu dissesse: olha, não faz sei lá o que não, faz tal coisa primeiro, era o fim do mundo. Porque ela engrossava a voz. Eu vou fazer sei lá o que sim. Não, você vai fazer tal coisa, porque é mais importante agora, não preciso que você faça sei lá o que. Mas eu VOU fazer sei lá o que. E a gente ficava nessa. Até uma das duas virar as costas e desistir. Às vezes era ela. Às vezes era eu. Eu sei que parece absurdo pra quem tá de fora. É meio surreal até. Mas meus nervos foram pro espaço com essa brincadeira.
Falta de análise dá nisso. Posts gigantescos.
A coisa explodiu semana passada. Eu disse para ela o que precisava que ela fizesse antes de ir embora. E ela foi fazer outra coisa. Eu fui lá e lembrei que não era isso que eu tinha pedido. Ela insistiu que o que ela estava fazendo era mais importante e que, "se desse tempo", faria o que eu pedi. Eu disse que não só daria tempo como ela iria fazer naquele minuto. Ela disse que não podia parar o que estava fazendo. Eu disse que podia, e que era para ela fazer o que eu tinha pedido. Os tons de voz, das duas partes, foi aumentando. Até que ela resolveu fazer. Resmungando. E começou a reclamar (antes que alguém ache que eu pedi algo absurdo, aviso logo: era simplesmente para arrumar a sala). Falando alto mesmo. De forma agressiva. Olha, Angélica, SINCERAMENTE, blablabla. Eu respondi. E ela disse que já tinha percebido. Que eu tinha preconceito contra ela. Falou assim, com essas palavras. Que eu tinha muito preconceito. Eu não sei o que a gente responde numa hora dessa. Só sei que com essa discussão o clima ficou tão, mas tão tenso, que eu pedi para ela parar o que estava fazendo, ir embora e voltar no dia seguinte pra conversar, quando estivéssemos mais calmos. Você acha que ela parou? Não. Mas não vou alongar mais essa história. Porque daqui a pouco a Joana acorda. E também porque é meio inacreditável. Eu só pensava, meu deus, como faço essa mulher ir embora? Porque ela simplesmente não ia. Mas acabou fondo. (nada como uma piadinha ruim fora de hora, hein?)
E, no dia seguinte, na hora de ser demitida (claro que não por mim, porque ainda não tenho essa coragem), aconteceu exatamente o que eu temia desde o início. Ela pediu para ficar. Ela meio que implorou pelo emprego. O que eu acho que é quase o fundo do poço da dignidade humana, sério mesmo. E se você é o tipo de pessoa que consegue não se sentir mal com essa situação, saiba que eu te invejo profundamente.
(Mas no primeiro dia depois que ela foi embora, eu ainda me remoendo de culpa, descubro que ela jogou fora uma sacola cheia de coisas pessoais minhas. Anotações, diários antigos - sim, houve um tempo em que não existia blog e as pessoas tinham diários de papel -, cartas, etc. Estava na sala e eu tenho certeza absoluta que ela jogou fora deliberadamente, no dia da discussão. Porque ela tinha ordem expressas de nunca jogar papel nenhum fora. Ainda mais cadernos e tal. Então ninguém tira da minha cabeça que foi uma vingancinha do tipo "ok, eu arrumo a sala, mas você vai ver só o que eu vou fazer". E assim, eu mal tive tempo de me acostumar a ser uma pessoa-que-demite-pessoas e já me transformei em pessoa-que-sente-ódio. Porque o ódio que eu estou sentindo é algo assim indescritível.)
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